FELIZ ANO NOVO, TRIC TRIC!

Era festa de fim de ano quando eu perguntei pro meu velho:
— Pai, quando é que a gente vai ver de perto a queima de fogos de Pindorama?
E ele assim respondeu:
— Que conversa besta é essa, meu filho! E não é exatamente isso que vamos fazer agora?
— É, pai, mas eu queria assistir do Parque Municipal, dentro da cidade.
— Você sabe que a gente não pode entrar lá. E, no mais, daqui a gente assiste até melhor. Agora, dá seus jeitos e vai lá pra laje ajudar sua mãe acender a churrasqueira.
— Tá bom!
É mais um ano assistindo à queima de fogos aqui da favela, pensei, enquanto acendia a churrasqueira. Logo, foram chegando meus tios e meus primos. Um deles, o Zangão, veio mesmo só pra dar uma passada, dizer um “oi”. Ganhou indulto e ia precisar sair mais cedo pra fazer “um corre” aqui na comunidade mesmo. Que pena! Queria perguntar mais coisas pra ele, saber como é Pindorama, já que ele vive lá há mais de um ano na condicional.
— É tudo a mesma merda – disse ele assim pra mim – aquele povo tem muito dinheiro, isso é verdade. Mas aqui na favela a gente é mais feliz.
Será?, pensei eu. É o que todo mundo diz. E quando a maioria fala, pode ter certeza que é.
Mas, então, por que o Zangão vive se encrencando pra ficar preso por lá, se ele já podia ter vindo embora?
— Pena alternativa, meu caro – respondeu ele.
— Como assim, mano?
— É uma espécie de escravo moderno, saca? Eu pago minha pena, trabalhando de graça pra eles. Tenho lugar pra dormir e comida boa.
Ah, entendi. Miserável, vive lá como escravo e vem roubar aqui.
Também pudera, ele não conseguiria roubar com tanta facilidade em Pindorama. Aquela cidade é o lugar mais seguro do mundo, com índices de criminalidade próximos de zero. Quando alguém tenta fazer alguma coisa errada, termina igual o Zangão: no trabalho escravo.
Ainda assim, ele prefere ser escravo lá do que viver livre na comunidade.
Não vou nem tentar entender…


Meia-noite! Fogos começam bipartirem-se em ramos multicores no céu. É ano novo! Todas as esperanças se renovam em pensamento. O meu, é de um dia entrar em Pindorama, e viver a boa vida do povo daquela cidade. Arranjar trabalho bom, usar terno com gravata e calçar sapato novo. Conseguir uma namorada bonita e perfumada, casar na catedral de San Arcanjo, morar na Riviera da Guanabara, um dos bairros mais nobres daquele lugar. E, num domingo de sol e céu azul, passear com meu cachorro no Parque Municipal, enquanto minha esposa e meus filhos sorriem sobre a toalha na grama que abriga comida farta de nossa cesta de piquenique. Sonhos… por enquanto, só a isso tenho direito. No mais, é me acostumar com a minha vida em Vera Cruz e seus problemas corriqueiros:
— Acabou o gás! – gritou minha tia.
— Xiii, melou a festa! – disse Zangão, que me resgatou de meus sonhos de prosperidade – Eh, Tric Tric! É sempre assim, o gás do pobre sempre acaba na hora de fazer a comida. E essa cerveja, arrgh… parece que saiu do forno. Pelo visto, a geladeira tá estragada também. É, primo, parece que sua festa de fim de ano vai ser a maior furada. Vou nessa. Boa sorte! – disse ele, me entregando um cartão, e dizendo: – depois liga pra esse cara que ele vai te ajudar.
Peguei aquele cartão e não deixei passar a oportunidade.
No dia seguinte, liguei para um tal de doutor Palhares e ele ajeitou tudo pra mim. Bastou um corre, para eu entrar em Pindorama. Dois anos de cadeia.
Hoje, um ano depois, recebi meu primeiro indulto, mas não fui para Vera Cruz. Preferi realizar meu sonho. Porém, confesso que fiquei decepcionado. Meu pai tinha razão: a queima de fogos é muito mais bonita vista da favela. Lá, naquele churrasco na laje, mesmo com todos os problemas, eu tenho uma coisa que hoje eu não tenho aqui: liberdade!
Espero que, pelo menos, não me falte amizade, pensei, enquanto recebia uma chamada de vídeo no meu celular.
— Zangão, cadê você, mano? Tô te esperando!
— Ô, primo, desculpa, vai dar pra eu ir aí não. Resolvi ficar em Vera Cruz, assistindo à queima de fogos e tomando uma cerva gelada aqui na sua casa. Fica pra próxima. Liguei mesmo porque o pessoal tem uma coisa pra te dizer…
Logo, naquela mesma chamada de vídeo, apareceram meu pai, minha mãe, meus tios, primos e até minha tia, que geralmente ficava de fora devido aos problemas na cozinha – pelo visto, desta vez, o gás não acabou, a geladeira funcionou, tudo saiu bem, e a festa de fim de ano na laje da minha casa ocorreu sem maiores problemas.
— Vamos lá, pessoal – disse o Zangão, agrupando todos para um vídeo selfie – 1, 2, 3…
— … Feliz Ano Novo, Tric Tric!!!!!

Share this content: